Carlos Alberto da Silva
Alberto Valentim: Falo sempre com meus amigos que é uma pena
o futebol de Oliveira não estar disputando nada.
Alberto Valentim do Carmo Neto é um nome conhecido no futebol brasileiro. O lateral-direito oliveirense, que encantou o país e a Europa, hoje é um técnico com boas passagens por Palmeiras (SP), Red Bull Bragantino, Botafogo (RJ), Pyramids (Egito), Vasco da Gama (RJ), Avaí, Cuiabá, Athletico Paranaense, CSA e Atlético Goianiense. Com sua experiência de atleta e grande bagagem profissional, Alberto fala, nesta entrevista à GAZETA DE MINAS, sobre suas perspectivas de trabalho em 2024, o momento do futebol brasileiro, a concorrência desleal dos clubes europeus e árabes, o modismo dos técnicos estrangeiros no Brasil, a CBF, o novo técnico da Seleção Brasileira, o título de campeão que ostenta da Copa São Paulo de Futebol Júnior e, claro, do futebol de sua terra natal.
Gazeta - Como você está projetando 2024 para sua carreira de treinador? E como tem sido esse período sem estar dirigindo um clube profissional, desde a passagem no Atlético Goianiense no primeiro semestre de 2023?
Alberto - A gente usa o termo de “estar amolando o facão”, estamos em casa, estudando, trabalhando, assistindo a jogos, montando planilhas de treinos, e esperando oportunidade agora de algum clube novo aqui no Brasil e ou até mesmo fora do país. Já estive no Egito, e gostaria muito de ter essa experiência fora novamente, dirigindo um time internacional. Estamos na expectativa de que em fevereiro ou março apareça alguma coisa legal. Algumas pessoas me procuram para saber do meu interesse em trabalhar fora do país, mas até agora não tem nada de concreto e nem direcionado a algum clube.
Gazeta - Do alto de sua vivência no esporte, como você analisa o atual momento do futebol brasileiro e o advento das SAF’s?
Alberto - Vivemos o ano passado muito legal no Campeonato Brasileiro, disputas por objetivos diferentes até o final contra o rebaixamento, vagas para as competições sul-americanas, luta pelo título com surpresas, primeiro com o Botafogo com aquela sequência toda com uma vantagem incrível e depois tem a reviravolta de o Palmeiras sendo campeão, além de outros clubes também com chances até nas últimas rodadas. O que quero dizer com isso: um futebol equilibrado, bem disputado, vários jogos bons, com qualidade individual e coletiva também, de esquemas táticos interessantes, que agradaram os torcedores. A SAF veio para profissionalizar o nosso futebol. Acho que para algumas coisas ainda não está bem claro. A lei do futebol é muito ruim ainda. Têm clubes que ainda não pagam, não conseguem honrar com seus compromissos. A SAF, por exemplo, vem às vezes sem cumprir dívidas anteriores para profissionais, treinadores e jogadores. Mas acredito que vai ser bom, exatamente porque vai profissionalizar e regularizar, dando uma marca melhor para cada clube.
Gazeta - E a chegada dos técnicos estrangeiros? É modismo ou veio para ficar? Em que isso é benéfico ou não para o futebol brasileiro?
Alberto - Toda vez que vou falar sobre treinadores estrangeiros tomo bastante cuidado e gosto de lembrar que fui estudar fora durante três anos. Minha carreira como atleta foi mais fora do país do que aqui... Sigo vários modelos de treinadores estrangeiros. A gente vai aprendendo com todos. E gosto de lembrar que isso virou uma moda aqui no Brasil. Alguns clubes acham que o técnico estrangeiro vai fazer mágica.Não é a verdade e posso dar vários exemplos. E dois treinadores portugueses que se deram muito bem aqui: o Jorge Jesus no Flamengo em 2019 e o Abel Ferreira no Palmeiras atualmente, fazendo um espetacular trabalho, um grandíssimo treinador, com quem procuro aprender bastante e observá-lo bem. Mas têm tantos outros que não conseguiram trabalhos esperados, só porque são estrangeiros. O Cruzeiro teve muitas dificuldades, principalmente com o Pepa. O Santos com Aguirre, o Goiás foi rebaixado, o América também, e assim vai... Vários clubes tentaram treinadores estrangeiros e isso não deu certo. As portas estão abertas, sim, mas as pessoas não podem confundir que um treinador estrangeiro vai fazer milagre em um clube que às vezes não tem uma estrutura ou até mesmo jogadores de certo nível técnico. Essa onda vai durar por um tempo. E pode ser benéfica também. São escolas diferentes e o futebol brasileiro pode ganhar com isso. Só acho que está exagerado demais. Daqui a alguns anos essa onda vai passar.
Gazeta - E a concorrência desleal feita pelos países ricos, especialmente os do mundo árabe no momento? Como os clubes, especialmente os da América Latina, podem enfrentar e superar esse obstáculo a mais para terem a oportunidade de ganhar o Mundial de Clubes, por exemplo?
Alberto - Esses países estão investindo muito agora. Antigamente eles buscavam jogadores em fim de carreira e agora estão contratando atletas em alto nível, ainda no auge da idade. Mercado novo que só tende a crescer. Os donos do petróleo estão realmente investindo pesado e é difícil enfrentar essa concorrência. Infelizmente, vai ficando muito difícil para os clubes da América do Sul concorrerem com os da Europa e árabes. Vemos o Manchester Citty, o Paris-Saint Germain, só para dar alguns exemplos, com elencos muito acima com relação aos dos times brasileiros e sul-americanos. De uns anos pra cá, o futebol brasileiro domina a América do Sul, com potencial muito forte, mas comparando com a Europa é impossível enfrentá-los, e vai durar para sempre. E ganhar o Mundial mais difícil ainda, principalmente agora que os europeus estão dando mais importância para essa conquista. O próprio Guardiola (técnico do Citty) disse que era um título que queria muito.
Gazeta - Como você vê o trabalho dos clubes brasileiros nas categorias de base? Agora na Copa São Paulo de Juniores os empresários estão de olho nos talentos. Por outro lado, têm muitos times de empresários, feitos somente para disputarem a competição.
Alberto - Os clubes têm que ter uma atenção muito grande para com esta garotada das categorias de base. Hoje vemos jogadores cada vez mais cedo jogando no time profissional ou indo para fora do país. Essa idade está a cada dia mais precoce. Vejo que os clubes estão se estruturando muito para cuidar da base porque é um investimento muito rentável e no Brasil tem uma escola muito grande. Os clubes têm condições de terem “olheiros” espalhados de Norte a Sul, conseguindo uma captação muito boa, visando a formação desses atletas. Vejo muitos empresários fazendo esse trabalho na base também, com times só de garotos, para formar e vender para outros clubes. Isso está crescendo muito e é bom, porque a gente vê que muitos adolescentes estão tendo a oportunidade de fazerem testes. Os jogos, desde os do Sub-15, são televisionados, dando uma grande visibilidade para essa garotada que busca ser jogador profissional.
Gazeta - E você pode afirmar isso, pois fez todo um processo nas divisões de base.
Alberto - Pois é, coincidentemente estão se completando 30 anos que fomos, com o Guarani de Campinas, campeões da Copa São Paulo de Juniores em 1994.
Gazeta - Após esse tempo, que filme passa pela sua cabeça agora?
Alberto - Lembro muito bem da preleção do senhor Pupo Gimenez, um grande pai que tive no futebol também, dando exemplo da final da Copa do Mundo de 1950, com o Brasil muito favorito, ganhando de goleada, diante do Uruguai, que teve muitas dificuldades até chegar à final, mas os uruguaios acabaram vencendo. Foi um retrato nosso na Copa São Paulo. O São Paulo muito bem, com um timaço, ganhando de goleadas, e nós passando com dificuldade, inclusive eliminando o Londrina na semifinal também nos pênaltis, e o senhor Pupo fez essa comparação. Ele foi muito feliz, até se emocionou, e conseguiu passar essa força e motivação pra gente antes da final. Começamos o jogo perdendo e depois o Rubão empatou no finalzinho, quando a torcida do São Paulo já cantava que “estava chegando a hora”. Fomos para a prorrogação e conseguimos segurar o empate também. Nos pênaltis, o goleiro Pitarelli brilhou, defendendo as três primeiras cobranças e eu tive a felicidade de bater o último e vencer o goleiro Rogério Ceni. Um título inédito até hoje para o clube e para aquela geração.
Gazeta - O que se passa na cabeça do jogador durante a aquela caminhada até chegar à marca do pênalti?
Alberto - Eu tinha apenas 18 anos, muito novo, aquela emoção de um garoto, muito nervosismo também. Não foram fáceis aqueles metros até a cobrança, mas sabia também que se eu perdesse a gente continuava com uma vantagem muito boa ainda. Converti a cobrança e na minha comemoração eu não sabia pra onde ir, ajoelho para agradecer, corro pra cá, corro pra lá... Ali foi minha primeira emoção muito forte no futebol. Oliveira, o Brasil todo vendo, o Pacaembu lotado. Foi uma emoção espetacular ali naquele momento.
Gazeta - E como foram seus encontros com o goleiro Rogério Ceni, já consagrado na meta do São Paulo? Ele se lembrava da final da Copinha?
Alberto - Quando fui para o São Paulo, em 1997, uma das primeiras conversas com ele foi exatamente sobre isso. Ele se lembrava sim. Uma curiosidade é que o primeiro gol de falta do Rogério foi exatamente na minha estreia no Tricolor, em um jogo contra o União São João, em Araras. Reencontrei também o técnico Muricy Ramalho, que também era o treinador do São Paulo na Copinha.
Gazeta - E a situação na cúpula direcional da CBF, prejudicando o trabalho da Seleção Brasileira? E como você viu essa história mal-contada da não vinda do técnico italiano Carlo Ancelotti?
Alberto - O Ancelotti nunca falou nada que viria ser o técnico da Seleção Brasileira, nunca expôs isso publicamente. Dava pra ver que era uma vontade da CBF, “um namoro de um lado só”... No entanto, achei agora perfeita a escolha pelo nome do técnico Dorival Júnior, era ele mesmo que tinha de ser chamado. Trabalhei com ele no Palmeiras, um cara espetacular não só como pessoa, mas também como gestor, um ótimo treinador, experiente, com bagagem, com títulos. Escolha corretíssima. Já tinha falado isso em outras entrevistas também que gostaria de ver o Dorival na Seleção. Vou torcer muito pra ele trazer esse título mundial para o Brasil. Já está demorando muito pra gente comemorar novamente.
Sobre a CBF, tem que ser mais transparente em suas ações. É uma pena, pois é uma entidade tão rica, tão poderosa no futebol brasileiro. Espero que as coisas fiquem mais claras, fazendo jus ao tamanho do nosso futebol. Ali é a cabeça de tudo, então tem que entregar mais organização, mais transparência, para todos nós. Estamos falando de profissionalização, de SAF, e a entidade maior tem que dar esse exemplo pra nós.
Gazeta - Queria que você falasse também sobre o futebol de Oliveira. Como podemos dar uma guinada de 180 graus e voltarmos aos bons tempos de outrora?
Alberto - Falo sempre com meus amigos que é uma pena o futebol de Oliveira não estar disputando nada. Na minha visão, algum investidor deveria vir pra cá. Até brinco que temos um ótimo espaço nas dependências do DER, onde poderia ser construído um grande estádio, local de excelente localização e de fácil acesso para os times de fora. Um terreno enorme que poderia abrigar um estádio legal. Infelizmente, hoje não temos nenhum time com uma “escolinha” mais estruturada, disputando campeonatos. Não vejo isso de forma mais organizada. Sei que o Social, o Benfica, trabalham neste sentido, mas precisariam de um investidor. Infelizmente, hoje há não essa pessoa que possa chegar aqui e bancar, fazer que vire um clube de verdade mesmo. Quem dera se chegasse aqui um empresário para o Social se transformar em uma SAF, por exemplo. Falo do Social porque é o nome mais representativo, mas poderia ser outro clube também. Torço muito para que venha um investidor, um empresário, para fazer com que o futebol de Oliveira possa representar bem a cidade em um Campeonato Mineiro, por exemplo, como vemos o Athletic, de São João del-Rei, muito bem organizado hoje. Um Guarani, de Divinópolis, que também está se reestruturando. Fico torcendo para que isso aconteça para que o futebol de Oliveira volte a disputar campeonatos estaduais e que seja um celeiro para dar oportunidades para a garotada de Oliveira.
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